Relatório aponta 901 ocorrências de conflitos de mineração em 2023

A nova edição do relatório Conflitos da Mineração no Brasil, que vem sendo publicado anualmente pela Universidade Federal Fluminense (UFF), contabiliza 901 ocorrências no ano de 2023. O levantamento aponta que os episódios mapeados estão associadas a 786 localidades.

Os números apontam uma relativa estabilidade em relação à edição anterior, que contabilizou os dados de 2022. Na ocasião, foram identificadas 792 localidades e 932 ocorrências de conflito. No entanto, os pesquisadores da UFF envolvidos no levantamento apontam que o total de pessoas envolvidas saltou 308,1%, saindo de 688 mil para 2,810 milhões.

O novo relatório está disponível desde a última semana. O estudo foi coordenado pelo geógrafo Luiz Jardim Wanderley, professor da UFF. A publicação é fruto de uma parceria com o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, que congrega diferentes organizações da sociedade civil.

Estão sistematizados no relatório conflitos em meio rural e urbano. São considerados danos que vão desde o sofrimento humano até os impactos socioeconômicos nas comunidades afetadas. Também inclui tanto os casos envolvendo mineradoras como grupos que exploram o garimpo ilegal. Os registros são variados: perdas de vidas, remoções forçadas, limitação de acesso à agua, contaminação, pressões e ameaças.

Mais de 90% dos conflitos envolveram disputas por terra ou água e, em 41 ocorrências, houve registro de morte. Os dois principais estados mineradores do país – Minas Gerais e Pará – concentram a maior parte dos registros. Do total de localidades envolvidas em 2023, 31,9% situam-se em território mineiro e 13,7% em terras paraenses. A Bahia aparece em terceiro lugar com 9%.

Minas Gerais também encabeça de lista de atingidos: 31,9% de todas as pessoas envolvidas em conflitos de mineração no país vivem no estado. O percentual é impulsionado pelos desdobramentos dos rompimentos das barragens da Samarco, ocorrido no ano de 2015 na cidade de Mariana, e da Vale, registrado em 2019 em Brumadinho.

Nos dois municípios mineiros, ainda ocorrem muitos conflitos envolvendo disputas pela reparação dos danos causados aos milhares de atingidos. Constantemente há denúncias de violações e de negligências por parte das mineradoras responsáveis. Brumadinho, inclusive, ocupa pelo quarto ano consecutivo o posto de cidade com mais ocorrências: foram 28 ao todo.

Já os municípios do Pará respondem por 12% das pessoas envolvidas em conflitos de mineração. Em terceiro lugar, aparece Alagoas, que registra 10,1%. Em Maceió, na capital do estado, há também diversas mobilizações de moradores que cobram medidas reparatórias da petroquímica Braskem, responsável pela mineração de sal-gema que levou ao afundamento de cinco bairros.

O relatório mostra que os conflitos estão associados a um total 122 empresas. A Vale é a que aparece envolvida no maior número de ocorrências: 147 ao todo. Em seguida, figuram a Braskem (50), a Companhia Siderúrgica Nacional – CSN (39), a Samarco (39), a Tombador Iron Mineração (25), a ArcelorMittal (15) e a Belo Sun Mining (15).

No recorte por biomas, as ocorrências aparecem concentradas sobretudo na Mata Atlântica (48,5%) e na Amazônia (27,4%). Foram mapeados 96 conflitos envolvendo indígenas e 60 associados a quilombolas.

Mineradoras

Procurada pela Agência Brasil, a Vale informou em nota que adota diversas medidas com objetivo de garantir que suas operações sejam realizadas de maneira responsável e sustentável. “A companhia busca promover relações harmoniosas por meio de um diálogo contínuo com as comunidades vizinhas, respeitando os direitos humanos, uma condição inegociável e base para a atuação da empresa, que é pautada em padrões internacionais, como os Princípios Orientadores sobre Empresas e Direitos Humanos da ONU, os princípios do Pacto Global das Nações Unidas, a Declaração Universal dos Direitos Humanos e os princípios e diretrizes do Conselho Internacional de Mineração e Metais (ICMM), dentre outros.”

De acordo com a mineradora, equipes especializadas mantêm diálogo e escuta junto às comunidades e compartilham informações sobre riscos e medidas de reparação ou compensação. “Em 2023, nos relacionamos com 1.574 comunidades locais nos países onde atuamos. Em todo o período, foram implementados 452 Planos de Relacionamento com Comunidades locais, dos quais 385 foram no Brasil. Além disso, 88% das 177 comunidades consideradas prioritárias para o engajamento no Brasil foram atendidas por Planos de Relacionamento. A Vale tem o compromisso de atender 100% das comunidades prioritárias com planos até 2026.”

A mineradora afirma também já ter desembolsado 75% dos valores destinados a medidas previstas no acordo de reparação dos danos da tragédia ocorrida em Brumadinho e que já fechou acordos de indenização individual com 17 mil pessoas. No mês passado, no marco dos seis anos da tragédia, o acordo foi alvo de críticas de entidades que representam os atingidos.

Já a Braskem afirma que, desde 2019, vem atuando em Maceió com foco na segurança das pessoas e no desenvolvimento de medidas para mitigar, reparar ou compensar os efeitos do afundamento do solo. Segundo a empresa, já foram apresentadas a famílias atingidas 19.181 propostas e, até dezembro, foram pagas 18.931 indenizações.

“Além da realocação preventiva e compensação financeira das famílias, os cinco acordos principais celebrados com autoridades federais, estaduais e municipal, e homologados pela Justiça, abrangem diversas medidas”, acrescenta a Braskem. A empresa cita com destaque medidas ambientais e de mobilidade urbana, bem como iniciativas envolvendo o Plano de Ações Sociourbanísticas (PAS), que se organiza em quatro eixos: políticas sociais e redução de vulnerabilidades; atividade econômica, trabalho e renda; qualificação urbana e ambiental; e preservação da cultura e memória.

Já a CSN afirmou em nota não poder se manifestar uma vez que não teve acesso ao relatório nem foi contatada pelos pesquisadores. A empresa, no entanto, acrescentou uma observação. “A Companhia Siderúrgica Nacional não atua apenas no segmento de mineração, mas sim nos setores de siderurgia, mineração, logística, cimentos e energia. Portanto, compilar informações de diferentes segmentos em um único estudo supostamente direcionado ao setor de mineração, pode, indubitavelmente, distorcer os seus resultados.”

A Samarco também afirmou que não fará comentários sobre os resultados por não ter tido conhecimento do relatório. Responsável pela barragem que se rompeu em 2015 na cidade de Mariana, a mineradora afirma estar ciente do seu compromisso social com as comunidades onde está inserida e investindo em projetos socioambientais que buscam gerar valor para a sociedade. “A empresa retomou suas operações de forma gradual, em dezembro de 2020, em Minas Gerais e no Espírito Santo, adotando novas tecnologias para disposição de rejeitos, empilhando a seco cerca de 80% do volume a ser gerado no beneficiamento do minério de ferro, sem utilização de barragens para disposição de resíduos”, acrescenta o texto.

A mineradora destacou ainda o acordo recentemente firmado que redefiniu as medidas reparatórias da tragédia de 2015, acrescentando que as diversas cláusulas tratam de questões variadas como indenizações individuais, reassentamento das comunidades, saúde, meio ambiente, educação e infraestrutura. Ele foi fruto de negociações que se arrastaram por três anos e buscaram oferecer uma resposta para um cenário em que tramitam milhares de processos judiciais envolvendo o episódio. Segundo a Samarco, o acordo “endereça de forma integral e definitiva as ações de reparação e compensação”. O acordo tem dividido opiniões entre os municípios atingidos na tragédia.

A ArcelorMittal informou que não irá se manifestar sobre o assunto. A Tombador Iron Mineração e a Belo Sun Mining não retornaram aos contatos.

Agência Brasil

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