Indígenas, bolivianos e paraguaios são principais vítimas da escravidão no MS

"Acho que vamos parar por aqui, eu tenho família, queria criar ela em segurança e se ficar mexendo em coisas pesadas é pior… Já está na mão do juiz, então vamos deixar baixo", desabafa um homem que foi vítima de escravidão moderna em propriedade rural do Mato Grosso do Sul.

Por Expressão Naviraí em 02/03/2024 às 17:10:25

"Acho que vamos parar por aqui, eu tenho família, queria criar ela em segurança e se ficar mexendo em coisas pesadas é pior… Já está na mão do juiz, então vamos deixar baixo", desabafa um homem que foi vítima de escravidão moderna em propriedade rural do Mato Grosso do Sul. o Campo Grande News o procurou dias depois do resgate, já longe do Estado. Mesmo assim, prefere não dar entrevista, porque o tempo durante a exploração deixou marcas. As respostas se repetem ao longo das tentativas de contar a história desses trabalhadores. "Não moça, melhor não, não quero prejudicar ninguém (...) já foi resolvido no Ministério do Trabalho". Na terceira tentativa de contato, outro jovem encurtou a entrevista com "eu não gosto nem de falar sobre isso, não gosto de ficar lembrando disso porque dói muito quando eu lembro". Para tentar mudar a realidade dessas pessoas, muito permeada pelo medo, a Conaete (Coordenadoria de Combate ao Trabalho Escravo) do MPT (Ministério Público do Trabalho) busca parcerias nos municípios para acompanhar os resgatados e apresentar alternativas compensatórias que possam possibilitar um futuro profissional melhor. Paulo Douglas de Almeida, hoje procurador do Trabalho e coordenador do Canaete, já foi juiz do Trabalho da 15ª Região e auditor fiscal. Sua caminhada de mais de 20 anos no combate ao trabalho escravo trouxe uma visão mais profunda do que é encontrado nas propriedades rurais, que explica o medo das vítimas de expor seus agressores, de repetir o que ocorreu ou nunca mais conseguir um emprego. "O medo é compreensível, pois se trata de uma relação assimétrica, onde você tem alguém de poder econômico elevado e do outro lado pessoas humildes. É natural a percepção de que as pessoas que os escravizaram são poderosas. Esses riscos não existem, mas demonstram a sensação de inferioridade e desproteção. Nos remete ao eixo de pós-resgate, ao inserir esses trabalhadores na assistência social", explica o procurador. Mato Grosso do Sul já possui um padrão nesse tipo de crime, segundo Paulo. As vítimas são indígenas, paraguaias e bolivianos, além de gente muito pobre. As regiões com maior incidência são as fronteiriças. Aliciadores costumam ir até esses pontos e recrutar as pessoas para a cadeia de produção, com condições degradantes. Entre os municípios com mais casos de escravidão moderna estão Bela Vista, Jardim, Bonito, Porto Murtinho, Antônio João e Corumbá. "É importante o pós-resgate para você colocar essas pessoas na Assistência Social. Para conseguir fazer isso, tem que cuidar do aspecto imaterial, que é como a pessoa se vê, e o material, que é a qualificação deles e as melhores chances de sucesso deles. Por isso, estamos levando treinamento aos municípios para que o corpo de Assistência Social saiba identificar e como fazer a oitiva dessas pessoas", complementa. Com o objetivo de alcançar mais pessoas submetidas à escravidão moderna nas fazendas, o MPT já firmou parcerias com a Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul), OAB-MS (Ordem dos Advogados do Brasil em Mato Grosso do Sul) e Governo do Estado, além dos grandes produtores e beneficiários do setor agropecuário. "Sendo bem realista, essa é uma chaga que está com a gente desde que o Brasil é Brasil. A escravidão contemporânea é uma variante da escravidão convencional, sem as pessoas acorrentadas e chicoteadas. Um problema histórico como esse... seria ingênuo da nossa parte imaginar que ia resolver em um curto espaço de tempo. Nossa tarefa é começar o processo de mudança para que no futuro, que não acredito ser próximo, tenhamos uma consciência adequada com relação ao caráter desumano e antieconômico dessas práticas", concluiu Paulo Douglas. Para denunciar casos graves de violação a direitos trabalhistas, basta acessar o serviço nacional de coleta de denúncias via portal nacional do MP do Trabalh o . Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.

Fonte: CGNEWS

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